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5 de junho de 2018O Menos 1 Lixo aposta em um copinho retrátil para vender uma mensagem de consciência ambiental
Fernanda Cortez acredita no poder das pequenas ações. Ela deixou de consumir copos descartáveis e, com isso, iniciou um movimento ecológico e também um negócio rentável.
Às vezes, grandes mudanças podem surgir de pequenas ações. Foi esse o pensamento da carioca Fe Cortez, 35, formada em Administração e Moda pela UFRJ e pela Faculdade Veiga de Almeida, respectivamente. Em 2015, ela lançou o movimento Menos 1 Lixo, que tem como produto “porta voz” copinhos retráteis de silicone que substituem os descartáveis. O objetivo final, porém, vai muito além da redução de descarte do objeto, e inclui “hackear” um sistema que incentiva o excesso e o consumismo para transmitir uma mensagem de consciência ambiental. Mas, como todo negócio com causa e rentabilidade, o processo para mantê-lo ativo é mais complexo do que simplesmente vender copos.
A história começou muitos anos antes. Mais precisamente, na Eco 92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que ocorreu no Rio de Janeiro em junho de 1992. Na época, Fe tinha dez anos e e conta que, talvez influenciada pelo burburinho na cidade, decidiu ser ecologista. A ideia ficou de lado e ela terminou trabalhando com moda em agências de conteúdo voltadas para o mercado — quase o oposto da vontade da infância. Foram mais de dez anos trabalhando nesse meio. Ela chegou, inclusive, a ter sua própria agência.
Até que, em setembro de 2012, ela assistiu ao documentário Trashed – Para Onde vai Nosso Lixo, da britânica Candida Brady. Nele, o ator Jeremy Irons percorre o mundo para investigar os danos causados à natureza pelo volume de lixo produzido. Fe diz que ficou chocada e aquela velha vontade de se tornar ecologista se reacendeu em sua mente ao entender que as montoeiras de lixo eram, principalmente, resultado do consumo desenfreado. “Eu pensava no assunto, mas não fazia muita coisa, não pautava minhas decisões nisso”, afirma. E continua:
“A gente não percebe que gera tanto lixo porque sempre tem alguém que faz essa gestão por nós”
Ao chegar em casa, fez uma lista com tudo o que poderia reduzir para diminuir sua produção de lixo. E chegou ao tal do copinho descartável. Tomada pela decisão de mudar, comprou 20 copos retráteis e os distribuiu para amigos. Mas ficou por isso mesmo. Quer dizer, quase.
COMO TORNAR A CONSCIÊNCIA AMBIENTAL UM ASSUNTO ATRAENTE
Nos anos seguintes, passou a pesquisar mais intensamente sobre o assunto e entendeu que já havia muita informação. Mesmo assim, a produção de lixo só aumentava. Ela percebeu, então, que isso se devia a três motivos: todo material sobre o tema adotava uma linguagem muito técnica, chata ou pregava a adoção de práticas que na realidade surtem pouco efeito. “Fazer vasinho de garrafa PET não vai ajudar muito a reverter a situação”, conta. E assim, veio a primeira sacada:
“Era preciso tornar o comportamento sustentável sexy. Se queremos competir com grandes corporações e publicidade, no mínimo precisamos ser tão atrativos quanto eles”
Em 2015, ela lançou oficialmente o projeto. “Apliquei a mesma estrutura usada em blogs e agências de conteúdo para falar de algo maior que o look do dia. De certa forma, ‘hackeei’ o sistema, usando essa linguagem para conscientizar.” Durante aquele ano, passou a produzir conteúdo sobre o assunto e a registrar quantos copos deixou de usar graças ao copinho retrátil.
A atriz Nanda Costa entrou no desafio do Menos 1 Lixo desde o começo e hoje continua engajada com os copinhos retráteis.
O resultado impressionou até ela mesma: 1618 copinhos de plástico polpados no período. “Ninguém conta para a gente que podemos mudar algo”, diz. Muito menos o consumo de copos descartáveis: em média, cada pessoa usa cinco por dia no ambiente de trabalho.
Para dar uma acelerada no projeto (e o exemplo de como aplicou a estrutura das agências à causa), Fe desafiou celebridades e influenciadores a participarem da economia de copos por pelo menos uma semana. Atrizes globais como Juliana Paes, Marina Ruy Barbosa e Nanda Costa estão entre as que participaram da brincadeira — esta última economizou 99 copos em uma semana de trabalho no Projac. Isso deu tamanha visibilidade ao projeto que, no fim de 2015, Fe decidiu fechar sua agência de conteúdo para se dedicar integralmente ao movimento.
COMO CRIAR O COPO REUTILIZÁVEL PERFEITO
Uma das primeiras missões era dar uma nova cara ao porta voz do movimento. “Não queria comprar os copos na China, pois além de não saber das condições de trabalho no país, a pegada de carbono para transportar de lá para cá também é alta”, conta. Ela sabia exatamente como o produto teria que ser: 100% brasileiro, livre de BPA (usado na fabricação do plástico), ftalatos (compostos usados para deixar o plástico mais maleável) e metais pesados, pequeno fechado e grande aberto, muito durável e por último, mas talvez o mais importante, “lindo”. No entanto, não havia nada assim no mercado brasileiro. Se quisesse seguir em frente, ela percebeu que teria que criar seu próprio produto.
O copo retrátil do Menos 1 Lixo é vendido em mais de 20 pontos do país por 49,90 reais.
Para isso, o plano inicial era gastar cerca de 20 mil reais. No fim, acabou gastando 120 mil, pois o primeiro molde orçado e entregue não saiu nada de acordo com o previsto e gerou 16 mil reais de prejuízo. Além de perder dinheiro, Fe perdeu também tempo para buscar novos fornecedores e fábricas. “Percebi que o buraco seria mais embaixo.”
Finalmente, encontrou os fornecedores ideais para o copo de silicone e a tampa de polipropileno, um polímero derivado de plástico reciclado altamente resistente e de baixo custo. Mas faltava grana. Mesmo raspando as economias pessoais, Fe ainda precisava de 50 mil reais para começar a produzir o produto. O dinheiro veio na forma de patrocínio de Marcello Bastos, sócio-diretor da marca Farm, apoiadora do movimento.
DOIS MODELOS DE NEGÓCIO QUE SE COMPLEMENTAM
Essa capacidade de bolar parcerias com marcas, aliás, é o que gera lucro de fato para o movimento. Embora seja vendido em mais de 20 pontos no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Recife, Fortaleza e online, por 49,90 reais, atualmente o produto tem como principal função comprovar que pequenas ações podem gerar impacto real. O lucro do negócio, cujo core é disseminar informação e ser uma plataforma de educação ambiental, vem de parcerias com marcas e instituições.
Além de possibilitar a personalização do copo e a inserção do logo da marca no produto para ser utilizado em escritórios, a Menos 1 Lixo também trabalha com conteúdo customizado sobre o tema. Neste modelo, o Menos 1 Lixo faturou cerca de 600 mil reais no ano passado.
Fe Cortez em um dos episódios da web série “Armário Cápsula”, outra iniciativa para reduzir o consumismo desenfreado.
Na quinta-feira (7), lança a Mares Limpos, uma web série feita em parceria com a ONU que percorreu diversos locais para mostrar o que está acontecendo nos oceanos, nos quais atualmente há mais de oito milhões de toneladas de plástico. “Em 2050, haverá mais plástico do que peixe se nada for feito”, afirma.
Recentemente, ela participou também do Desafio Armário Cápsula, uma web série feita em parceria com a C&A, na qual se desafiou a viver com um guarda-roupa de 37 peças — número que serve como base para representar um armário mais enxuto, mas que pode variar a gosto do freguês. Essa variação não é por acaso e diz muito porque o negócio tem dado certo, como fala Fe:
“Sempre tive cuidado de não parecer radical para não desestimular as pessoas. Ninguém é perfeito e, às vezes, campanhas que pregam o fim absoluto de geração de lixo não têm o efeito esperado”
Ela prossegue: “As pessoas pensam ‘nunca vou ser maratonista, então nem vou começar a caminhar. A gente precisa começar pelo que está ao nosso alcance.” De pouquinho em pouquinho, vai-se a mil ou 60 mil, número aproximado de copinhos retráteis produzidos (e potencialmente economizados) graças ao movimento nesses dois anos.
FONTE: Projeto Draft